A crítica literária está sem força no Brasil. Os críticos se sentem constrangidos em criticar.
Em março de 2023, Dirce Waltrick do Amarante fez essa reclamação em artigo na Folha de S. Paulo intitulado “Fabricação de supostos gênios desafia atuação dos críticos”. Segundo ela, a crítica está a elogiar, e elogiar muito.
Algo curioso parece estar acontecendo nestes últimos anos no Brasil: a proliferação de gênios na nossa cultura. Diria que nunca houve tantos autores extraordinários como agora na área da ficção.
(está sendo irônica, meu jovem).
Críticos não podem ser sinceros, porque o ambiente é de camaradagem. Estão todos no mesmo barco.
As relações pessoais também devem ser consideradas nessa conspiração: amigos escrevem sobre amigos de talento "extraordinário" e, assim, se revelam ainda mais amigos, ou verdadeiros cúmplices da mesma trama. Cumprimentos e louvores são trocados.
A crítica pressupõe a sinceridade, a análise honesta e aberta, que pode iluminar a obra para os leitores e, às vezes, até para o próprio autor. A crítica necessita de liberdade. Mas liberdade é coisa que anda em falta atualmente, na época das redes sociais.
O crítico segue nessa posição incômoda. Hoje, talvez ainda mais, pois escritores, ensaístas, tradutores etc. ganharam fã-clubes espalhados por toda parte, e isso significa que qualquer parecer rigoroso poderá ofender milhares, que gritarão em uníssono contra o resenhista. Não se espera que o público aceite passivamente a sua opinião, mas o crítico deveria, ao menos, ter a liberdade de expô-la.
Essa dificuldade ficou clara poucos meses depois, quando a crítica Lígia Diniz publicou, na revista Quatro Cinco Um, o artigo “Espírito do Tempo”, que analisava o lançamento do autor best seller Itamar Vieira Junior. A crítica fez algumas ressalvas. Por exemplo, que o
desenrolar é só o meio para o romance denunciar, com mão pesada, os muitos e muitos abusos cometidos ou encorajados por aqueles que detêm o poder na região.
Ou seja, o livro é didático. Ela continua:
nessas páginas, por uma questão de justiça histórica, os negros e indígenas estarão do lado certo e a elite branca estará do lado não apenas errado, mas diabólico (…) São muitos os personagens rasos (…) Salvar o fogo se articula como uma revanche reducionista.
Há elogios no texto, e há críticas com as quais eu não concordo (por exemplo, Lígia descarta o uso de mistérios revelados pouco a pouco e de alternância entre vozes narrativas que se esclarecem mutuamente como expedientes gastos de literatura convencional. Estritamente falando, podem até ser, como são também o gancho, o plot twist, o crescendo, o clímax, as descrições, etc. Mas não se pode fazer literatura sem recorrer a expedientes gastos, a questão é como usá-los). Seja como for, essa crítica sensata e bem escrita acabou gerando um debate absolutamente constrangedor e lamentável, do qual todos os que se interessam por literatura estão a par.
Bom, se o crítico não tem liberdade de falar abertamente, deve fazê-lo no anonimato, sob pseudônimo.
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