Sendo ele quem ele era, 150 páginas, é da Patuá
Este é na verdade um livro de contos, disfarçado-mas-não-muito de romance. Temos oito histórias independentes, cada uma delas com um protagonista masculino diferente, passadas em épocas distintas, porém sutilmente interconectadas pela presença, ora mais marcada, ora mais discreta, de uma mulher chamada Monique.
Enquanto sua namorada está viajando, Adriano descobre que ela aparece em alguns vídeos pornô disponíveis online, contracenando com um homem de pênis avantajado. Ele tem dificuldade para lidar com essa novidade.
Carlos conhece uma moça no aplicativo de encontros e, depois de muita conversa, os dois combinam de beber alguma coisa. Ela dá carona para ele até o bar e os dois ouvem música durante o trajeto. Por acaso, começa a tocar uma música na qual é Carlos quem faz o solo de trumpete. No meio do solo, a moça faz uma careta de desgosto e pula a faixa.
Guilherme é um psicanalista que se separa da esposa e começa a namorar uma paciente, bem mais jovem. Até que ela troca de analista e, em consequência, acaba terminando o relacionamento com ele.
Matias é um sujeito que se vê como um perdedor, talvez seja mesmo um perdedor, e dá o azar de estar morando no apartamento vizinho ao de Monique quando esta arruma um namorado novo. O coitado ouve o casal transando e não sabe o que fazer com a atração que sente pela moça, misturada com a sensação de que ela não gosta nem um pouco dele.
Paulo é um senhor que recebe uma visita da filha que nunca conheceu, e conta sua versão da história de como se envolveu com a mãe dela, como esse relacionamento terminou e o que aconteceu depois. Breno Kümmel acerta bem o tom no registro da fala, que vem carregada de fatalismo e tristeza, mas também uma ironia e em realismo bruto que trazem certo humor.
Não tenho conselhos pra você, minha vida foi minha vida, eu fiz minhas merdas, paguei ou escapei das consequências, e mesmo assim você é mulher, o que posso te dizer? Mais da metade da vida de vocês é saber pra quem abrir as pernas, coisa que eu realmente não tenho como te ensinar, e por óbvio muito menos sua mãe. Os homens são fáceis, é só não se fazer de surda e manter uma rota de fuga desimpedida.
“Paulo” e “Carlos” são ótimos contos. Trazem protagonistas interessantes e histórias bem contadas, realistas porém um pouco inusitadas, ao mesmo tempo tocantes e engraçadas. Se tivéssemos dez histórias com essa qualidade, seria um grande livro.
Infelizmente, não é assim. “Adriano” ainda é razoável, “Matias” é mais ou menos, os demais contos são fracos. “Guilherme” poderia explorar a obsessão da cultura atual com a saúde mental e a psicanálise, com proliferação de “traumas” diagnósticos (e auto-diagnósticos) de transtornos como bipolaridade e déficit de atenção, mas prefere não dizer absolutamente nada de interessante, ficando na superfície das inseguranças de um homem tolo. Se é para problematizar questões masculinas, poderíamos encontrar um pouco mais de violência. Em vez disso, temos histórias nas quais pouca coisa realmente acontece e tudo se desenrola no nível do discurso. Em dois casos o autor cai na armadilha de usar linguagem de redes sociais, num deles chegando a imitar a formatação de uma conversa de whatsapp, num simulacro de atualidade que não funciona. Na minha opinião esse é recurso narrativo que já nasce ultrapassado.
Duas machadadas.
(lembrando que livro sem machadada é ótimo, uma machadada é bom, duas é fraco e três é muito ruim)