1+1=2, 2-1=0, 292 páginas, é da Cepe editora.
1. Uma menina, Luiza, que já não tinha pai, fica órfã da mãe. Vai morar com uma tia distante, que mais tarde a abandona num orfanato, onde ela depois é adotada por um casal que perdeu a filha. A maior parte da história se passa com a nova família.
2. Perda da mãe, perda da filha, perda da infância, perda da amiga. É um livro sobre perda, embora prefira falar em abandono. Repete inúmeras vezes que tal ou qual coisa é um abandono.
3. O título, obviamente, é um achado. Um mais um são dois, mas dois menos um já não é nada. O todo é maior que a soma das partes.
4. A narração é em primeira pessoa, na forma de entradas em um diário, que são numeradas. Algumas palavras aparecem rabiscadas, o que faz sentido no contexto de um diário. A ideia de contagem perpassa todo o livro, como se Luiza estivesse prestando contas da vida.
Comecei a contar os carros, só os brancos, só os em movimento, 1, 2, 3, onde será que ela está me levando? 4, 5, será que é um passeio? 6, 7, está me dando dor de barriga, 16, será que a gente está indo para São Paulo? 28, 29, o ônibus parou pela terceira vez, em um terceiro lugar que eu não conhecia. Perto demais para ser São Paulo. Descemos. (…) Foram 87 passos em silêncio até uma casa de paredes verdes, 10 janelas, 4 fechadas, e uma pequena escadinha que dava em uma porta velha com a tinta branca descascada.
5. O texto é desconstruído, em alguns momentos quase não é prosa:
6. Esse negócio de ficar numerando os parágrafos vai cansando.
7. Cansando tem oito letras (e daí?)
8. O estilo é meio afetado.
9. Ficar cansado com um livro é um abandono.
10. Eu não abandonei o livro. Ele tem quase 300 páginas, mas muito espaço em branco. A leitura é meio truncada por causa da inovação/afetação dos parágrafos numerados e das frases desconexas, tem hora que a gente se sente meio tapeado pela autora, afinal agrupar meia dúzia de afirmações na página não é escrever um romance.
11. Mas acontece que a personagem é muito boa, é ótima. O que ela sabe ou não sabe, o que ela fala ou não fala, o que ela faz, o que ela sente, tudo isso foi muito bem pensado pela autora e acaba produzindo uma Luiza que realmente existe, ou poderia ter realmente existido.
12. A voz infantil da narradora também é bem feita. Não cai na caricatura da infantilidade, também não é falsamente madura. Tem um bom olho para o detalhe: “O quintal era um quase quadrado com piso de cimento, onde as formigas andavam em fila, algumas subiam o muro para fugir para a casa do vizinho.” A ambientação fica clara em poucas linhas. O quadrado é uma forma geométrica chata, sem graça; o piso de cimento é sem vida, feio; até as formigas querem sair dali. “Atravessamos a rua e esperamos pelo ônibus, que demorou 3 ‘onde a gente vai?’ e 1 ‘fica quietinha’ para chegar.” É assim mesmo, eu já esperei esse ônibus.
13. A personagem sendo boa, a voz da narração sendo boa, a história sendo bem amarrada e interessante, a leitura não fica cansativa.
Fernanda Caleffi Barbetta estreou bem na literatura. Conteúdo de quem sabe o que está fazendo, dou-lhe uma machadada pela afetação na forma, que a meu ver mais atrapalha do que ajuda.
(lembrando que livro sem machadada é ótimo, uma machadada é bom, duas é fraco e três é muito ruim)