A Inevitável Fraqueza da Carne, 133 páginas, é da editora Penalux
Carlos recebe a notícia de que herdou uma chácara com a morte do pai, a quem não vê há muitos anos, desde que este se separou de sua mãe de forma tumultuada, para ficar com a amante. Ele começa a frequentar essa chácara, para irritação da esposa, que não quer saber de mato e preferia o marido sempre em casa, inclusive para facilitar o projeto da gravidez.
O livro não chega a ser um romance, é uma novela, que li em menos de duas horas. O ritmo é lento na maior parte e se precipita no final, com várias revelações uma por cima da outra. Esse é o principal defeito: o enredo meio rocambolesco não deixa muito espaço para um tratamento mais cuidadoso dos personagens. A esposa, por exemplo, poderia ter mais espaço.
A melhor parte é a relação entre Carlos e a filha do caseiro da chácara. Ela é muito bonita e a “carne fraca” de Carlos começa a aventar a possibilidade de uma aventurazinha. O autor constrói muito bem o clima de tensão que vai se formando entre eles.
Começa com “Uma jovem aparentando uns vinte anos cuja pele morena contrastava com o rosa do seu baby-doll” e “Maya reaparece no quintal, enrolada numa toalha de banho, cabelos molhados”. Alguns dias depois, “Maya trajava um vestido de verão que Carlos apenas entrevira durante o jantar (…) valorizava suas coxas e premiava a visão com um belo decote”. Carlos tenta descolar uma excursão até o riacho com ela, mas o pai dela se mete. A moça faz questão de explicar: “Minha mãe que insistiu para que o meu pai fosse com a gente”. Já no riacho, ela chama: “Vem, Carlos”. Ele entra na água. “Ela deu outro mergulho muito próximo a ele. O bumbum aflorou à superfície por um instante”. Depois é a vez dele mergulhar. “O corpo de Maya estava bem ao alcance de suas mãos, bastaria um mínimo gesto para tocá-lo”. Ela mesma esclarece: “Não sou uma garotinha, Carlos”. Mais tarde, ela aparece para devolver os óculos escuros dele, e abrem uma cerveja. “Os dois estavam muito próximos. Ficaram-se olhando, sorrindo”.
A chácara se converte num espaço limiar, entre a vida comum e alguma outra vida possível, uma aventura talvez, o que é simbolizado pelo pequeno animal selvagem que faz algumas visitas, uma jaguatirica.
Wilson Gorj espalha pelo livro algumas boas frases.
Um jovem e seu avô estão conversando. O garoto, irritado com os amigos, diz: “Quando ficar velho, vou arrendar um sítio na roça e me enfiar lá para fugir do convívio social”. O avô diz que isso não é necessário, porque “a velhice já é um sítio na roça”.
Carlos acha uma caixa com um par de sapatos do pai, “que ainda conservava dentro as meias roxas, uma delas saltada para fora, escura como a língua de um enforcado”.
Na rodovia, “Avistou logo à frente uma árvore que se destacava na planície pelo seu tamanho desproporcional em relação às outras. Em sua cabeleira frondosa, uma dessas pipas que o vento carrega estava presa entre as folhas como uma presilha colorida”.
Mas o manuseio da linguagem dá uns escorregões. Por exemplo:
O autor usa “pontuou” no sentido de “disse”, o que pra mim não cola. Aliás, por estes dias o José Francisco Botelho sentenciou:
O autor usa “notório” como sinônimo de “perceptível”, como nesta sequência:
“Oi, seu Romildo — Carlos interveio. — Aconteceu alguma coisa?
Era notório que algo tinha acontecido.”
Lamento, mas não.
O autor diz que o Sol estava “reverberando seus raios nas ondulações da correnteza”. Reverberar é verbo que se usa para som; para luz, faria mais sentido dizer “refletindo”.
Gorj brinca no final do texto com a questão da autoria do livro, que tem uma parte em terceira pessoa e outra em primeira, e o resumo do livro na Amazon diz que a história “é contada por um narrador pouco confiável”. Para ser sincero, esse aspecto da coisa não me pareceu muito interessante. Acho que a ideia era fazer algo mais ou menos na linha do que Ian McEwan fez em Reparação, mas não alcançou o mesmo efeito.
Em alguns momentos, me parece que o autor confundiu o tempo da narrativa.
Depois de “Logo se deu conta. Na varanda do caseiro, estava Maya”, no passado, vem “Pensa em ir até lá”, no presente.
No capítulo em que Carlo lê uma carta, ele começa dizendo: “tirei do bolso o envelope e deitei-me na rede”, no passado. Algumas páginas depois, ele diz: “Olho para o papel e ainda vejo carreiras de frases a percorrer”, no presente.
Se essas mudanças de tempo narrativo foram de propósito, achei confuso.
O livro é legal, bem escrito. O enredo prende a atenção mas é um pouco atropelado, e achei que faltou desenvolvimento na figura da esposa. Uma machadada.
(lembrando que livro sem machadada é ótimo, uma machadada é bom, duas é fraco e três é muito ruim)