A Última Noite de José Wilker, 67 páginas, é da editora Caos & Letras
André Balaio apresenta cinco contos.
No primeiro, um homem vai descobrindo sua própria homossexualidade ao lidar com a atração que sente por um colega de trabalho, não nomeado e um tanto o quanto intangível, que lhe dá de presente O Médico e o Monstro. “Depois de vê-lo, precisava me amarrar feito um balão à cadeira para não sair flutuando.” A partir de um passeio pela exposição de animais, que dá nome ao conto, a história vai ganhando contornos oníricos.
me chamando sem pedir, me querendo sem ardor, parecia estar ali entre as árvores desde o início, esperando que eu fosse abraçá-lo e cobri-lo de beijos, que lhe desse a mão para entrarmos ombreados na fissura do tempo e percorrermos felizes o mundo invertido. Era um sol, ardente e fulgurante, que se encobria por uma nuvem negra, me atraía e rechaçava, espantava e embevecia. Fiquei imóvel, contemplando aterrorizado o destino que se me oferecia, impreciso e encantador.
No segundo, uma mãe tem que lidar com o fato de que seu filho está incluindo um diabo em seus desenhos infantis.
— E o homem vermelho, quem era?
— É meu amigo.
— Amigo? É alguém da escola?
— Ele mora lá em casa. A gente brinca, sabe, a gente brinca de palavras, pega-pega, esconde-esconde.
— Como é o nome dele?
— Não sei. Ele não diz.
No trabalho, depois que seus óculos se quebram, ela mal-e-mal vê um programa de televisão com o exorcismo de uma criança, que bem poderia ser….
No terceiro, acompanhamos as dificuldades românticas de Almir. Ao longo dos anos, seus relacionamentos são sabotados por uma entidade misteriosa: um meio de transporte preto com um raio vermelho.
Toquei a campainha. Chamei. Nada. Vi um rostinho espiando entre as cortinas da janela. Logo depois, a irmã surgiu no portão com o recado: Anne está doente. O que ela tem? Dor de cabeça, depois liga pra você. Deve ter sido a agitação de ontem, pensei enquanto descia a rua. Uma enorme moto CB400 preta veio no fluxo contrário e parou em frente à casa dela. Um detalhe chamou minha atenção: o raio vermelho colado na lateral do tanque.
O que será necessário para que essa rivalidade seja finalmente resolvida?
O quarto conta a história de um esquecido jogador de futebol que aparentemente virou alfaiate, porém utilizando uma cadência narrativa de suspense muito bem desenvolvida. O clímax acontece numa final no Maracanã.
É tudo épico, homérico, parece uma guerra, ou como as guerras deveriam ser, a batalha final, o destino dos povos, de todos os povos da Terra. Sente-se pequeno em frente ao sublime, a ansiedade do sobe e desce dos pés, a alternância das batidas contra o tapete gramado que os sustém. Estica os braços por trás da cabeça, abre as pernas e toca as pontas dos pés, dá pulos e pequenas arrancadas para que seu corpo vire ar quente e suba ao céu.
O último conto, bem mais longo, começa com Herculano indo a uma consulta médica. Seu colesterol está um pouco alto.
– Alto quanto?
– Cento e cinquenta.
– Qual é o máximo?
– Cento e trinta.
– Isso é muito alto?
– Melhor não dar colher de chá pra urubu.
Diante da perspectiva da morte, Herculano se lembra de sua infância e da infância da filha.
Quando penso em Giovana, não é na mulher de hoje. É nela pequena. No cinema, me dando uma bronca por pegar um punhado de pipoca do saco que comprei para nós dois. Ou depois, saltitando pelo corredor do shopping na direção da loja de brinquedos. Se pudesse, ligava para ela, não a Giovana de hoje, mas a Giovana pequena. Iria buscá-la agora. Pra sempre.
A partir de certo ponto, ele tenta recriar para si mesmo a última noite de José Wilker. Noite essa que vai se tornando cada vez mais estranha.
Todos os contos são muito bem escritos. Balaio sabe criar uma atmosfera e imprimir o ritmo certo à narrativa. Permite-se certo lirismo na linguagem, com imagens inusitadas, sem resvalar para o sentimentalismo barato. A inclusão de elementos levemente sobrenaturais às histórias contribui para deixá-las interessantes.
Gostei bastante do livro. Se fossem só as quatro primeiras histórias, eu não lhe daria nenhuma machadada. Infelizmente, a última história, justamente a mais longa e que dá título ao livro, me decepcionou um pouco. Depois da segunda metade minha impressão foi de que os acontecimentos começaram a ficar meio aleatórios e o enredo perdeu o rumo, como num sonho no qual as cenas vão se sucedendo sem nexo. Essa eu precisei fazer força para terminar.
Uma machadada.
(lembrando que livro sem machadada é ótimo, uma machadada é bom, duas é fraco e três é muito ruim)