Dentro do Nosso Silêncio, 189 páginas, é da Bestiário.
A protagonista da história se chama Ana. Ela mantém um blog sobre culinária e trabalha como editora de livros. Sua história, narrada em primeira pessoa, se divide em dois tempos.
No passado, ela e o marido tentam engravidar. No presente, ela acaba de se divorciar e abre uma confeitaria.
Dois ou três capítulos têm a voz do marido. Acho que o livro ganharia muito se ele fosse mais ouvido, e pudesse contar a sua história.
O sonho de ter filho não se realiza facilmente, eles passam dois anos tentando até buscarem um clínica de fertilização. Aos poucos, um mês depois do outro, um ciclo depois do outro, uma tentativa depois da outra, a esperança vai sumindo e as bases do casamento vão ruindo. O texto consegue passar toda a tristeza, a culpa e o desespero de quem se vê nessa situação.
Mesmo depois de separada, Ana continuará tendo que lidar com a história mal resolvida das tentativas de engravidar. Primeiro, porque tem um novo relacionamento. Segundo, porque a própria irmã tem um bebê. A dificuldade dela frente a essas situações é bem explorada.
(com exceção do fato de que a autora faz com que Ana esteja fora da cidade quando do parto da irmã, o que provoca um afastamento entre elas. Isso aumenta a carga dramática do texto mas, a meu ver, ao custo da verossimilhança. Pela natureza da relação entre as duas, por toda a importância da gravidez na vida de Ana, é difícil acreditar que ela não estaria presente nesse momento. Em vez disso, parte para uma viagem mal explicada.)
O uso da linguagem contém umas fraquezas que provavelmente decorrem de insegurança. Dou apenas alguns exemplos, mas poderia dar vários outros.
“foi para a UTI, de onde não chegou a sair”, poderia ser “de onde não saiu”.
“lembro-me do meu pai comendo não menos do que três fatias”. Por que não dizer apenas “três fatias”?
“Pego algumas roupas e jogo na mala de tamanho intermediário”. Que importa o tamanho da mala? Bom, talvez a autora tenha querido sugerir que a moça ia voltar logo, não fez uma mala muito grande. Mas isso já está implícito em “algumas roupas”.
“Os meses se transformaram em anos e chegamos a um lugar do casamento tão desconhecido quanto uma viagem em meio à um nevoeiro [sic]. Achava que em algum momento aquilo iria passar, mas o que estava à frente permanecia imprevisível. De repente havia uma esperança de céu limpo, no entanto, tudo se mantinha embaçado”. Podia melhorar essa metáfora.
A personagem vai fazer uma consulta médica como parte da tentativa de engravidar. O parágrafo começa assim: “O consultório ficava no prédio do Hospital Memorial São José, pequeno e aconchegante. Esperei quase uma hora até ser chamada. A médica parecia ter apenas alguns anos a mais do que eu”. Três informações irrelevantes em sequência, numa tentativa falha de criar ambientação.
— Pensei que não fosse aparecer nunca.
— Desculpa, papai. A gente combinou algo hoje?
— Não, não. Eu que resolvi vir por iniciativa própria. Não deveria?
— Não é isso. Só não esperava encontrá-lo aqui embaixo.
— Essa é a intenção da surpresa. E então? O que acha de almoçarmos juntos?
— Acho uma ótima ideia.
— Aonde estava indo comer? Estou morrendo de fome.
— Na verdade, estava desejando a comida daquele restaurante mineiro no Centro Sul.
— Você se importa de irmos naquele do outro lado da praça? Detesto shoppings. E aquele está sempre cheio.
— Pode ser. Não me lembrava do Gamela.
Quase peguei no sono no meio desse diálogo, banalíssimo, parece saído da novela das oito.
A história é boa, o drama é bem explorado, os personagens são bons. Karine Asth só precisa melhorar os diálogos e ter coragem de usar a linguagem de maneira um pouco mais original.
Uma machadada.
(lembrando que livro sem machadada é ótimo, uma machadada é bom, duas é fraco e três é muito ruim)