Não se Começa um Incêndio sem uma Faísca, 238 páginas, é da editora Penalux
O livro conta a história do relacionamento entre Vic e de Bianca, que se conhecem numa festa. Vic se separa da esposa para viver essa aventura, mas será que aos 44 anos vai dar conta do ritmo de uma moça bem mais jovem?
Vic é arquiteto. Bianca é escritora, com prêmios e certo sucesso midiático. Ficamos sabendo os primeiros parágrafos de seus livros e as críticas que recebeu, mas o contexto não é tanto a literatura e sim a velha trinca sexo, drogas e rock’n’roll.
Os capítulos alternam os pontos de vista dos dois, sempre apresentados em primeira pessoa. O leitor fica sabendo um pouco sobre a formação de cada um deles. Vic conta como passou a adolescência sendo um cara meio apagado, mas depois desabrochou socialmente e sexualmente na faculdade. Conheceu Ingrid, uma modelo pela qual se apaixonou e se casou mas com quem não tinha muita química sexual. Bianca conta como se tornou uma escritora de sucesso escrevendo livros eróticos e vendendo a imagem de garota rebelde e liberada.
Zeka Sixx vai fundo na linguagem coloquial. A primeira frase do livro é: “Não faz sequer dez minutos que assumi o comando do som e já tenho certeza de que estou pagando um mico do caralho”. O registro oral traz uma dinâmica interessante para a história e, a princípio, ao longo das primeiras páginas, fiquei bem animado achando que fosse adorar o livro.
Os personagens usam a todo momento expressões em inglês, I am the real deal, Fight fire with fire!, No fucking way! etc. Além disso, fazem citações de letras de músicas e cenas de filmes o tempo inteiro, tanto em suas falas como em seus pensamentos. Fica bem claro que a identidade dos dois foi forjada na música e no cinema.
Por exemplo, trechos de capítulos de Vic:
Em janeiro de 1991, quando eu recém tinha completado 13 anos, algo decisivo deu um novo sentido à minha vida: o Rock in Rio II
Na época que passei no vestibular, eu estava completamente arrebatado pelo Smashing Pumpkins. No show do Hollywood Rock de 1996, fui às lágrimas
eu não trocaria os anos 90 por nenhuma outra época da História. Como falar mal de uma década que começou com Os Bons Companheiros e terminou com Clube da Luta?
Por um breve momento, chego a pensar que a pílula vermelha realmente me levou até o universo de Matrix
Sinto-me como o protagonista ao final do filme Cemitério Maldito
E trechos de capítulos de Bianca:
Cobrindo todas as paredes do quarto, estavam os pôsteres das bandas e artistas que, daquele dia em diante, seriam meus melhores amigos, meus professores, meus pais, meus amantes
fui me moldando, me adaptando, absorvendo toneladas de conhecimento, como uma esponja. Estudei todas as décadas, mas é claro que acabei me apaixonando pelos anos 80 — não apenas pela música, mas por todos os elementos da cultura pop daquele período
o cara que conheci na noite era idêntico ao Lenny Kravitz no clipe de “Again”
O problema desse recurso é que as citações se sucedem de forma incessante, página por página, até que dezenas delas, centenas, se acumulem sobre o leitor e o deixem soterrado.
Conforme a leitura avança, o livro se revela repetitivo. Com exceção de algumas digressões sobre política nacional, deslocadas e didáticas, e algumas cenas com rememorações do passado, só o que os personagens fazem é estar em baladas e festas, cheirando pó, ouvindo música e fazendo sexo.
Nada contra esses temas, em si. A literatura lida com o ser humano, e os seres humanos ouvem música, usam drogas e trepam. É possível fazer literatura com isso. Aliás, engraçado que com tantas citações o nome de Bukowski não apareça nenhuma vez. A estrutura do livro tem a seu favor o fato de que a alternância entre capítulos permite que vejamos personagens e situações de diferentes pontos de vista. Só que estão todos sempre fazendo as mesmas coisas.
Uma grande questão, para mim, é o fato de os dois narradores terem absolutamente a mesma voz. Alguém poderia argumentar que os dois protagonistas tiveram experiências intensas e marcantes com sexo e drogas e querem falar sobre isso, qual o problema? O problema é que, se vamos ter dois narradores, seria bom termos duas vozes narrativas bem definidas. Em vez disso, são indistinguíveis. Blocos de textos poderiam ser transferidos dos capítulos de um para os do outro sem que o leitor percebesse diferença.
Por exemplo, trechos de capítulos de Vic:
Lauro cheira uma carreira, toma a sua dose de tequila, empurra o copo na minha direção, pedindo um refil, e cheira mais uma enquanto sirvo a dose solicitada, que ele imediatamente faz descer pela garganta. Depois, põe-se de pé, batendo no peito como um gorila, ao som do refrão de “Stranded in the Jungle”, dos New York Dolls, que explode na caixa de som
Eu chegando à conclusão de que nunca havia visto uma bunda tão perfeita enquanto fodia ela de quatro. Meu pau roçando seu cu, malandramente tentando forçar a cabeça para dentro
Incorporou brinquedos sexuais às nossas transas, gozando como louca com o vibrador no clitóris enquanto eu a penetrava. Um dia, chupando o meu pau após ter tido dois orgasmos em sequência, ela pediu que eu ejaculasse na sua boca
minha relação com a cocaína era muito ocasional; minha verdadeira paixão era a bem mais inofensiva marijuana. Mas fui obrigado a mudar minhas preferências para acompanhar o ritmo (…) nossos finais de semana foram invariavelmente turbinados com generosas quantidades de farinha
Agora, trechos de capítulos de Bianca:
A vibrante versão do X para “Wild Thing” explode na caixa de som no exato instante que aspiro o lendário pó
No quarto, eu queimei a largada e gozei enquanto ele me chupava, com dois dedos enfiados na minha buceta e um no meu cu. Gozei novamente logo depois, enquanto cavalgava seu pau em posição de agachamento
O pau dele era enorme (…) tirou minha virgindade em um banho de sangue, literalmente abrindo o Mar Vermelho com seu cajado antes de jorrar litros de porra quente por cima da minha barriga. Mas o que importou não foi tanto o que ele fez com aquela pica extraordinária, mas o que fez com a língua
Com todo o respeito à minha querida marijuana e a qualquer outro narcótico, o pó é imbatível
E assim vamos, primeiro sexo, drogas e rock’n’roll pelo olhar dele, depois sexo, drogas e rock’n’roll pelo olhar dela, depois pelo olhar dele, depois pelo olhar dela.
O livro retrata, provavelmente de forma fiel, a formação e o estilo de vida de uma certa geração, num certo ambiente, de uma certa classe social. O autor tem desenvoltura para escrever, mas escolheu como narradores pessoas chatas e fúteis — se existissem de verdade, eu ia querer distância dos dois. Isso traz uma certa ironia à história, e um potencial de crítica, mas talvez tenha sido um risco grande demais. Achei que a falta de um verdadeiro enredo e a estrutura repetitiva deixam a leitura deste romance muito cansativa, mas outros leitores talvez gostem.
Uma machadada.
(lembrando que livro sem machadada é ótimo, uma machadada é bom, duas é fraco e três é muito ruim)
Com esses trechos escolhidos, fiquei na expectativa de 3 machadadas, uma gongada e uma buzinada. Eu passo a leitura desse Betty Blue de MTV Brasil.