O Que Pesa no Norte, 296 páginas, é da Moinhos
Ricardo está em busca do filho desaparecido, Guilherme. Mas não há suspeita de sequestro, de nenhum crime ou acidente. O jovem apenas sumiu, e não é a primeira vez. Mas agora é diferente, agora ele sumiu em São Paulo, a milhares de quilômetros da Paraíba natal, onde o próprio Ricardo vai se descobrir desorientado e perdido.
Pai e filho nunca se deram bem. Desencontrados desde o nascimento. Frágil, instável, retraído, com cicatrizes pelo corpo advindas de automutilação, Guilherme nunca foi o filho que Ricardo queria ter, não seguiu a carreira pretendida, não exerceu a sexualidade esperada. E ao descobrir que ninguém sabe onde ele está — nem seus amigos, nem seus colegas de trabalho, nem seus vizinhos —, o pai vai entender que já é tarde demais para tentar encontrá-lo.
A missão de Ricardo vai levá-lo em uma peregrinação mais ou menos às cegas pela cidade, começando pelo quarto escuro de Guilherme na Vila Mariana, onde falta energia e é preciso andar literalmente apalpando as paredes, até a Praça Roosevelt, a Cracolândia e o Baixo Augusta, numa jornada de catábase ao fim da qual Ricardo vai desembocar —sujo, faminto, ferido — na boate chamada, sem muita sutileza, de Inferno.
Ao longo da história, flashbacks vão revelando mais detalhes sobre os personagens. Ficamos conhecendo o pai de Ricardo, Major Afrânio, o transtorno obsessivo-compulsivo da mãe de Guilherme, Ana, e como seu filho caçula Gustavo se esforça para cuidar dela na ausência do primogênito desaparecido. Entendemos melhor a dinâmica da família e o quão difícil pode ser conviver com um pai como Ricardo.
Tiago Germano delineia muito bem seus personagens, construindo uma personalidade para cada um deles a partir de vivências e ações que narra para o leitor, sem recorrer a comentários de um narrador onisciente. Ficamos conhecendo bem Ricardo, Ana, Gustavo e até mesmo o desaparecido Guilherme. Os conflitos geracionais que movem a história são explorados em sua dimensão humana, sem deslizar em momento nenhum para o didatismo sociológico.
O livro tem algumas cenas excelentes e bem marcantes, das quais destaco duas que são ambas montadas na forma de uma superposição de situações que se desenrolam simultaneamente, mas em épocas diferentes: A primeira é quando Ricardo está dentro de um avião que decola, ao mesmo tempo em que, bêbado e desastrado, deixa cair no chão um Guilherme recém-nascido. A outra é a visita que ele faz, tanto como adulto quanto como adolescente, a um prostíbulo.
Diferente do irmão, Ricardo não fez muita escolha e se acostou na obediência com a primeira rapariga que Maria-Homem lhe ofereceu (...) Quase aplaudiram quando os dois irmãos saíram em fila para o quarto compartilhado em que iam virar homens, como lhes foi dito, para ingressar de uma vez por todas no panteão das calças longas, longe da barra da saia de Dona Noeli, aparando o buço na barbearia que o pai frequentava, jogando sinuca nos bares que o pai frequentava, quem sabe até aprendendo a dirigir o caminhão e o fusca que o pai dirigia. Voltariam ali naquele bordel sozinhos, quem sabe, para falar sobre os assuntos que ainda deviam correr na mesa enquanto o Major Afrânio esperava se consumar o que lhes esperava, atrás daquela porta para onde os levavam pelas mãos duas fêmeas seminuas, uma delas ainda uma criança.
(...)
Foi a de Ricardo quem começou primeiro. E não era preciso haver espelhos naquele quarto porque todo o sexo ali foi de início um jogo de espelhos, partindo do que acontecia na cama de Ricardo para o que acontecia depois na cama de Renato. Elas e eles se imitavam sem precisarem se olhar, até um certo momento. Até um certo ponto fatídico, não muito distante do começo, para ser franco, quase que instantaneamente depois de Ricardo se deitar de comprido e ser tocado pela mais experiente, que se deitou com ele. Pediu que não enfiasse logo, mas que chupasse antes seus peitos porque mulher gostava daquilo, e Ricardo naquele segundo apertou os peitos da mulher e sentiu apertar também algo dentro dele, as pernas se enroscando, não as dele nas dela, mas as dele nelas mesmo, duas cordas se amarrando no pequeno fardo de algodão entre elas.
Nenhuma machadada.
(lembrando que livro sem machadada é ótimo, uma machadada é bom, duas é fraco e três é muito ruim)