Operação Benefit, 143 páginas, é da BesouroBox.
Jacinto é delegado da Polícia Federal em Porto Alegre. Acostumado a lidar com operações menores, da justiça do trabalho, por acaso se vê à frente da Operação Benefit, que envolve corrupção na casa da centena de milhões de reais. Em paralelo com a andamento da operação, acompanhamos as conversas do delegado com seu escrivão, sua relação com a esposa e a filha, e suas idas ao bar preferido. As duas histórias são contadas de forma superficial.
Não ficamos conhecendo as pessoas que estão sendo investigadas na Benefit; não vemos os crimes sendo cometidos; estes são descritos de forma burocrática, em linguagem oficial. O livro tenta se colocar como um thriller policial, mas não existe suspense ou tensão dramática no andamento desse enredo. Não há descobertas, ninguém corre perigo.
Na vida do delegado também acontece pouca coisa, temos tão somente uma sucessão de cenas, nas quais ele ora está com o escrivão, ora com a esposa, com quem fala um pouco sobre a filha, um pouco sobre o Brasil, um pouco sobre o cachorro, sobre um assunto ou outro.
O que temos de fato neste livro, e muito, é falação didática. Os personagens e o narrador estão a todo momento olhando diretamente para a câmera e passando uma mensagem para o leitor. O autor parece achar que tem muito a dizer, e que a ficção é um bom veículo para a difusão de suas ideias.
Um capítulo no qual o personagem vai tirar um visto de entrada nos EUA, absolutamente jogado no meio da história já que ninguém vai viajar para esse país, traz o seguinte:
tu sabe muito bem que eu não gosto dos norteamericanos (…) São imperialistas, conservadores e exploradores (…) Foram aliados importantes, mas a resistência britânica é que foi determinante na Segunda Guerra. Os americanos são ecléticos, eles prestaram auxílio ao golpe de 1964 e a outras ditaduras militares aqui na América Latina.
Em outro capítulo, o escrivão discursa para o delegado:
Meritocracia, como? Os estudantes não partem de posições iguais, então não existe igualdade, nem perto disso. Pelo contrário, a classe média tem pais para educá-los, para ler histórias e participar da vida deles, porque contratam gente para cozinhar, limpar banheiros e lavar suas roupas. Isto sem contar que temos uma dívida histórica com a escravidão africana (…) Nós nos beneficiamos da maior deportação forçada da história. Tiramos os negros do seu continente para trabalhar aqui para os brancos, proprietários de terras. O senhor sabia que os escravos eram considerados objetos, podiam ser vendidos (…)?
O narrador também tece comentários politizados:
Todos em volta da Encol, muitos com boas casas e carros financiados, mas exercitam sua empáfia nas caminhadas na praça. A família do delegado é classe média. A maior parte do país paga menos imposto do que ele e a esposa, que são funcionários públicos, porque no Brasil os dividendos e a divisão de lucros não são taxados.
Lá vem o escrivão de novo:
Doutor, o SUS atende cento e cinquenta milhões de pessoas por ano, realiza zilhões de procedimentos e exames, tem programas de imunização e tratamento da AIDS reconhecidos internacionalmente (…) A sonegação é tão grave quanto a corrupção. A diferença é que a corrupção ocorre depois do orçamento, na execução das políticas públicas, enquanto a sonegação acontece antes, evitando que os valores entrem nos cofres públicos, prejudicando toda a sociedade.
Esse tipo de discurseira é absolutamente insuportável. Infelizmente o autor não aprendeu isso nos quatro anos de oficinas literárias que fez com Alcy Cheuiche.
Não conheço Cheuiche, mas o texto de orelha que ele escreveu para o livro não o recomenda, já que contém dois erros:
“Se quer saber porquê, basta…”
e
“Ter sido seu mestre, é uma alegria…”
Não estou pegando no pé do cara por causa de dois deslizes à toa. Afinal, trata-se da orelha de um livro de literatura. É preciso cuidado. Ou ele não releu o que escreveu, ou releu e não viu os erros. As duas possibilidades o desabonam. E são erros graves. Quem tem convivência com literatura acaba desenvolvendo, naturalmente, um alarme para a linguagem que tem que disparar na presença desse tipo de coisa. A editora que deixa passar também merece um puxão de orelha.
Pela ausência de drama, seja policial, seja humano, e pelo didatismo, três machadadas.
(lembrando que livro sem machadada é ótimo, uma machadada é bom, duas é fraco e três é muito ruim)
Você vai gostar de ler a Ariana Harwicz sobre o didatismo dos novos escritores.
Deve ser tão ruim quanto os pastéis de quibebe com charque anunciados no subtítulo.