Solitária, 161 páginas, é da Cia das Letras.
Eunice é uma empregada doméstica que, durante a semana, mora na casa dos patrões. No começo da história, sua filha Mabel costuma ficar com a avó, mas depois passa a viver com ela no trabalho. Metade da história é contada do ponto de vista da filha e metade do ponto de vista da mãe. A autora busca explorar os contrastes entre a vida de Eunice e Mabel e a dos patrões, que também têm uma filha.
O título do livro se refere ao quartinho da empregada, que é quase uma prisão. Aliás, o quarto e outras dependências do prédio onde a ação se desenrola servem como narradores de alguns dos capítulos do livro, o que é um recurso interessante.
É de se esperar que a vida das personagens pobres seja mais difícil que a das personagens ricas. Mas a autora não quer deixar espaço para dúvida: “quem tem dinheiro faz milagres acontecerem”. Quem não teria pena de Eunice quando seu marido, bêbado e violento, lhe toma o dinheiro, justamente o que ela tinha juntado para comprar os remédios da mãe doente? Tadinha da Eunice, que afirma, em um capítulo, que “eu ainda mal sabia ler e escrever” e repete, em outro capítulo, que “Ainda leio mal e quase não escrevo”.
Se você sentiu cheiro de novela mexicana, está na pista certa. Os personagens têm a profundidade de uma poça d’água que só molha o chinelo, não passam de tipos. Os ricos são malvados de torcer o bigode. A mãe passa o dedo nos móveis para ver se estão com pó, a filha é tão cruel que é capaz de provocar um menino deficiente até ele cair da cadeira de rodas. São até negacionistas da covid (quem poderia imaginar?). Por outro lado, a avó de Mabel, pobrinha de tudo, parece ter 120 anos e é a pura encarnação da gentileza e da sabedoria, sabe curar qualquer doença, sabe tudo da vida.
O pobre honesto e esforçado, o rico mimado e cruel, a preta velha sábia, a filha do pobre que passa em medicina (já vista anteriormente no filme Que Horas Ela Volta). Eliana Cruz não tem medo do clichê. Ela não evita o clichê, nem sequer tenta se desviar um pouco do clichê. Não. Ela se joga no clichê como uma criança se joga na piscina.
O resultado é menos um romance que um panfleto (que se pretende) sociológico.
Neste trecho, os clichês se acumulam tão rápido que parecem tropeçar uns nos outros:
quando foi devolvida por d. Helena à cidade natal no interior, ganhou uma surra do pai e teve de trabalhar na roça com a família. Conseguiu então se matricular numa escola comunitária, onde se preparou a duras penas para o Enem. Ninguém em sua família acreditou que ela chegaria lá. Na verdade, nem ela mesma. Sua história é a de muita gente.
No afã de discutir “temas importantes” e “questões atuais”, de apresentar “denúncias” e “críticas”, alguns autores acabam se esquecendo de fazer literatura.
Três machadadas.
(lembrando que livro sem machadada é ótimo, uma machadada é bom, duas é fraco e três é muito ruim)
Obrigada por sua resenha objetiva e clara. Aprendo muito com você.