A Cabeça do Santo, 176 páginas, é da Cia. das Letras
Tendo recentemente pedido a mãe, Samuel chega à vila de Candeias, interior do Ceará, em busca do pai. Mas o que ele encontra é uma enorme cabeça de concreto, que foi construída para encimar uma estátua de Santo Antônio porém nunca foi instalada. A cabeça é oca e Samuel, completamente miserável, passa a morar ali.
O livro tem uma pegada meio “realismo mágico”: de dentro da cabeça do santo, Samuel pode ouvir as orações que os moradores do local fazem para Santo Antônio. Ou antes as moradoras, pois trata-se do santo casamenteiro por excelência e é disso que se trata; querem arrumar maridos.
Samuel vê aí uma oportunidade de ganhar dinheiro e, com ajuda do jovem Francisco, manobra para arranjar o casamento entre o médico da vila e a moça Madeinusa — cujo nome foi inspirado pela inscrição “made in usa” que o pai dela viu numa embalagem. A autora adota por vezes um tom cômico que funciona muito bem. Por exemplo, a secretária do médico só serve para abrir a porta, e ele se refere a ela como “assessora para assuntos de porta”.
O sucesso da artimanha com o casal atrai atenção dos demais cidadãos. Samuel se torna uma celebridade. O rádio se interessa pela história. Aos poucos, a vila começa a crescer por causa do fluxo de devotas que querem falar com ele e fazer pedidos. No espírito do bom humor, a autora não se vexa em dizer que uma delas era “enorme de gorda”; Samuel diz a ela que o santo pediu que faça caminhadas e coma só abacaxi por uns dias…
Pousadas e restaurantes são abertos, a comunidade começa a prosperar. Até um cinema é montado. Só que esse aumento de interesse é ruim para Samuel, que não tem condições logísticas de arranjar tantos casamentos, até porque passa a ter dificuldade em ouvir as orações em meio à zoeira que fazem na cabeça do santo por serem muitas ao mesmo tempo.
Entremeados a essa narrativa principal, temos capítulos que dão mais detalhes da vida de personagens específicos: Helenice e Fernando, os pais de Madeinusa; Manoel Meticuloso, o homem que construiu a cabeça do santo; Mariinha, a mãe de Samuel. Aos poucos, vamos entendendo melhor as relações que existem entre certas pessoas. Alguns segredos são revelados. Não damos spoilers.
As autoridades locais decidem expulsar Samuel e dinamitar a cabeça do santo. Ele tem que fugir, não sem antes cumprir certas promessas que fez no leito de morte da mãe.
O uso da linguagem é bem tradicional, mas tem alguns bons momentos: “nem o ar tinha esperança de ser vento”; “Era tudo tão lindo que nem coube nos seus pequenos sonhos. Ela precisou aprender a sonhar mais”.
A história é divertida e consegue trazer a religiosidade brasileira no misto que ela tem de devoção e hipocrisia. Talvez desse um filme tão bom quanto O Auto da Compadecida.
O texto é leve e despretensioso. Não tenta fazer sociologia nem sofre de bom-mocismo. Não é um livro muito marcante, mas tem bons personagens. Não dou nenhuma machadada.
(lembrando que livro sem machadada é ótimo, uma machadada é bom, duas é fraco e três é muito ruim)
Os livros de Socorro Acioli estão na minha imensa lista de livros que eu quero ler.
Não amei, mas concordo que, com adaptações, daria um bom filme ao estilo Alto da Compadecida