Salvar o Fogo, 320 páginas, é da Todavia
No primeiro post desta newsletter, Por que descer o machado, mencionei a crítica de Lígia Diniz a este livro. A reação violenta de Itamar Vieira Júnior àquela apreciação, acusando a moça de racista, mostrou que crítico literário sincero precisa ser anônimo.
Eu não pretendia ler esse livro, mas, como ganhou o Jabuti, resolvi me render ao hype.
Um resumo da história o leitor a esta altura encontra em qualquer lugar. O ritmo é arrastado e o enredo é pouco. Itamar busca seduzir pela linguagem.
O que eu achei? Brega.
Durante a leitura, me lembrei de um trecho de Aldous Huxley sobre literatura feita por pessoas que admiram os escritores, querem escrever também, mas não sabem o que estão fazendo e acabam por imitar aquilo que imaginam ser a literatura. O que advém é “the result of the discovery of art by an unsophisticated mind... The first attempts to be consciously literary are always productive of the most elaborate artificiality” (“o resultado da descoberta da arte por uma mente sem sofisticação… as primeiras tentativas de ser explicitamente literário sempre levam a uma artificialidade elaborada”)
Isso aí é Salvar o Fogo. O desejo do autor de parecer “literário”, de entregar o que ele imagina ser um texto evocativo e poético, transparece na obra toda, resultado numa leitura constrangedora.
Esclareço o que quero dizer por meio de exemplos:
“Poderia ficar quieta e permitir que seu corpo seguisse o próprio fluxo como o rio”
“Deixou a cabeleira livre feito a copa de uma árvore”
“Segredos guardados nos lugares mais insondáveis do espírito das suas mulheres”
“Andava para lá e para cá, perdida, como se procurasse o que não era possível encontrar”
“Era tudo uma rudeza de gestos porque o mundo tinha nos tirado em algum tempo o desembaraço de manifestar o que éramos capazes de sentir”
“Os anos haviam passado e minha mocidade foi levada pela correnteza dos dias”
“Embora o tempo tivesse atravessado seus corpos de maneira implacável, eles permaneciam os mesmos”
“Somente o rio, largo volume de água, caminho das embarcações e morada dos peixes”
“De uns tempos pra cá passei a desconfiar que o Mal não vinha do coração daquela gente. O Mal foi plantado pelos senhores de terra”
“Era preciso limpar os campos das pragas, além de regar o quintal, para os pés de tudo, as ervas, o mato, viverem sempre verdes”
Três machadadas.
(lembrando que livro sem machadada é ótimo, uma machadada é bom, duas é fraco e três é muito ruim)
“De uns tempos pra cá passei a desconfiar que o Mal não vinha do coração daquela gente. O Mal foi plantado pelos senhores de terra” - Isso me dá vontade de imitar aquela cena do Didi (dos trapalhões) tentando se matar enquanto puxa as arcadas dentárias, uma para cima e outra para baixo.
Aguardo ansiosamente essa resenha lá no Youtube! Ela tem potencial de viralizar!